Impressões sobre o workshop de Joan Garriga “Constelar a Vida” no Porto, nos dias 29 e 30 de Junho 2024.
Por dois dias suspendemos o quotidiano, imersos noutro mundo, mundos de outrem, onde nos reencontramos, recompondo e incorporando partes. Vivências de onde vamos saindo lentamente. De um workshop com esta intensidade raramente se sai dele no dia seguinte.
O magnetismo das constelações em parte está no facto de deixar uma impressão que não é meramente mental, fica gravada na emoção e no corpo, leva a uma compreensão que arrebata.
Tal acontece no contacto com o que é doloroso. Quanto mais tentamos buscar fora de nós, tanto mais encadeados e cegos permanecemos, teimosamente evitando compreender que é no atravessar da dor que se pode tocar a felicidade.
Somos sempre escravos daquilo de que não temos consciência. Tornando-nos conscientes, tornamo-nos livres, no sentido em que já não somos afectados por; a dor já não nos escraviza.
“Sofremos porque padecemos da falta de presença e porque há espaços vivenciais dentro de nós que estão excluidos ou escindidos da nossa atenção. Excluimos a tristeza ou a raiva; excluimos a dor pungente que sentimos face a um abuso; excluimos muitas coisas que percebemos como difíceis, dolorosas e desagradáveis ou que não encaixam com o que se espera de nós ou com a nossa auto-imagem idealizada. Excluímos também, afastando-as da nossa consciência, sensações corporais.” (Joan Garriga1)
E assim fomos constelando vidas neste workshop, pela impecável mão de Joan Garriga. Ali onde se cala, onde a dor não se sabe, onde não se vê a saída do labirinto, com amor, atenção e presença Garriga entra em ressonância, aponta cirurgicamente o que está escindido. E as frases surgem-lhe de forma natural e eficiente, incentivando o reconhecimento.
“Eu não faço constelações, acompanho o cliente durante a constelação”, afirmou Joan Garriga. As constelações em si não são nada, senão pelo diálogo que permitem estabelecer entre terapeuta e cliente: um meio de confrontar a identidade que se teceu na trama da rede dos vínculos de cada um; sondar a narrativa interiorizada, desconhecida de tão repetida. Acompanha o cliente ajudando-o a habitar-se mais completamente, conduzindo-o ao ponto onde pode crescer.
Por mais que se pretenda querer atribuir “causa sistémica” ao sofrimento (consistindo esta tentativa, muitas vezes, numa forma mais de distanciamento) é no próprio que a dor tem de fazer eco, ressoar até à sua assimilação.
Significa que o cliente em constelações, a pessoa que quer constelar uma questão pessoal, está disponível para este acto corajoso de prestar atenção às suas emoções, sensações e juízos e para suspender, ainda que temporariamente, os automatismos egóicos que lhe permitiram fintar a dor. E dando à dor utilidade, acolhe a oportunidade de compreender e crescer com ela. Por isso é tão importante ter clareza sobre o problema que se quer trabalhar, evitando cair em falsas memórias, auto-enganos e ideologias que afastam a verdade.
E “(…) que pode ser melhor para quem procura psicoterapia que esta forma de revelação súbita e minuciosa, sem ser descritiva. À semelhança do haiku, que Octavio Paz2 disse ser uma espécie de “poesia desenhada”, esta técnica revelava-se uma psicologia gráfica, convocando a um entendimento sincrético, poupando-nos o embaraço de explicações confusas, de intelectualizações. Fascinante!” (Eva Jacinto3).
1 Joan Garriga e David Barba (2024). Constelar la vida. Del amor ciego al amor lúcido. Ediciones Destino.
2 Octavio Paz e Eikichi Hayashiya (tradutores e editores) (1992). Matsuo Bashô. Sendas de Oku. Benrrido.
3 Eva Jacinto (2020). Transitando Consciências. Memória de Processo Pessoal de Aprendizagem para Aceder a Membro Facilitador Titular da AECFS – Asociación Española de Constelaciones Familiares y Sistémicas (não publicado).