Há, portanto, uma dialéctica básica entre a realidade e o eu (ou a mente que se infiltra colonizando e tomando posse por completo do eu). É uma arte conseguir que essa dialéctica se converta num diálogo criativo e fértil que nos impulsione e nos leve por caminhos de alegria e não de infelicidade. Por caminhos de vida e não de morte. Joan Garriga (1)

Há precisamente uma semana, noventa e cinco pessoas vieram ao Porto para participar num workshop de constelações familiares, magistralmente conduzido por Joan Garriga – um dos psicólogos mais influentes em Espanha e na América Latina e um dos mais brilhantes psicoterapeutas a manejar esta ferramenta –  constelações familiares.
Noventa e cinco presentes, muitos mais os convocados. Com efeito, Quem poderá calcular a órbita da sua própria alma? (O. Wilde, 2).

Com o que é que trabalhamos quando trabalhamos com as constelações familiares? Com enredos, implicações sistémicas, intricações despercebidas, férreas lealdades, desordens, realidades por integrar, interacções infelizes. Uma palavra que enquadre tudo isto – relações.

Segundo o dicionário, uma constelação é “um grupo de estrelas fixas que, ligadas por linhas imaginárias, formam também uma  figura imaginária, a que corresponde um nome especial (3). Continuando com a analogia, qual é aqui este nome especial? É o assunto-problema do cliente, tal como ele o configura (constela). O cliente tem de descrever o seu problema da forma o mais factual e concreta possível e plasmá-lo de forma espacial e corpórea.
Através desta técnica, o cliente é convidado a sair dessa “caixa” de explicações, justificações e projecções que vai contando a si próprio e que o inebria.
Por essa razão, vemos como com delicada firmeza e argúcia, Joan Garriga atalha sempre que o cliente quer descrever, com requintes de detalhe, o seu sofrimento, caracterizar o outro, contar-nos a sua narrativa da história do problema, a qual, se fosse fecunda, já o teria apartado do problema.

Trabalhando no aqui e agora da manifestação fenoménica, a técnica de Joan Garriga estimula a compreensão profunda e a transformação; não permite perder tempo com abstracções e intelectualizações, sabe levar o cliente a centrar-se no seu processo.
Mas não é só o cliente que se entrega: todos os participantes se sentem estimulados a envolver-se activa (mas silenciosamente) nos processos que se desenrolam à sua vista, compreendendo e crescendo por processos de empatia e ressonância que impulsionam a reconhecer-se.

O campo vai permitindo a manifestação das dinâmicas. Uma espera atenta, a participação silenciosa de todos os presentes faz-se sentir, agora Joan opera como um transdutor: com inteligência e sensibilidade vai revelando os sentidos. Com mestria abre e mantém o diálogo com o cliente, aborda com perspicácia e muitas vezes com bom humor os assuntos que o cliente tem persistido em evitar.

Vários psicoterapeutas de renome têm afirmado que o instrumento mais importante de um terapeuta é a sua própria pessoa. Joan Garriga atingiu esse ponto que tal como Irvin Yalom (4) formula: estar familiarizado com o seu próprio lado obscuro, capacita para empatizar com todos os desejos e impulsos humanos. Por isso adoramos aprender, curar e crescer com Joan Garriga.

Nota final: sabemos como é agradável (e voyeurista) ver fotografias de eventos como este. No entanto, e considerando que somos uma comunidade pequena, parece-nos que perder esse pequeno prazer compensa face ao respeito e à protecção que as pessoas que tiveram a coragem de trabalhar o seu problema em grupo, merecem.  Ao expor o seu problema ao grande grupo possibilitaram assim que muitas pessoas obtivessem benefícios através delas. Nunca é de mais agradecer-lhes, preservar a confidencialidade é imperioso. Por isso, não há fotografias de grupos de pessoas com caras alegres e felicidade estampada no rosto ou de representantes tomados pelo campo. Gostamos que seja assim.

EVA JACINTO, 05 Março 2023

Referências

1 Joan Garriga (2021). Decir Sí a la Vida. Ganar Fortaleza y Abandonar el Sufrimiento. Ediciones Destino

2 Oscar Wilde (1897). De Profundis. Relógio d’ Água (2001)

3 Novo Dicionário Lello da Língua Portuguesa (2011). Lello Editores

4 Irvin Yalom (2009). The Gift of Therapy. Harper Collins.

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